terça-feira, 5 de março de 2024

O MENINO

          Desde que a esposa viu o fantasma do menino, não tirava a vida após a morte da cabeça. Por causa do canil, um resquício da personalidade dos antigos donos do imóvel, ela em pouco tempo teve a convicção de que havia visto a aparição do fantasma de uma criança devorada pelos cachorros. O marido costumava ouvir a respeito de suas pesquisas sobre o vicio de cães em carne humana. "Eles adoram comer os rostos das pessoas". E perguntas à respeito da sua opinião sobre rottweilers devorarem uma criança de 9 ou 10 anos eram comuns na cama e o faziam desistir da leitura.

            No dia do avistamento, a mulher estava se exercitando, como o médico aconselhou, saltando e esticando os braços, fazendo círculos no chão e dando cambalhotas na grama alta. Quando começou a fazer estrelinhas, disse que tentou não se julgar, porque sabia que o que estava fazendo era para sua melhora.

           Caindo de sono, ela não queria se entregar. Foi quando ouviu a voz do menino dizendo que esticasse mais as pernas, porque parecia mais uma concha do que uma estrela.

            Disse que ele estava vestido todo de branco, parado sobre o galho da árvore. Uma espécie de mestre shaolin de olhos azuis, distante da puberdade. Ia perguntar se ele não tinha medo de cair e quebrar o pescoço, mas não quis parecer uma velha chata. 

         Acabou seguindo os conselhos do menino, esticando mais as pernas depois de se impulsionar. Colocar mais as palmas das mãos e não ficar encarando o chão, foram outras dicas valiosas.

            Quando se cansou, foi até a varanda e calçou as sapatilhas com os pés ainda verdes da grama. Estava disposta a levar o menino para casa, mas quando voltou a olhar para a árvore, ele havia desaparecido.

             Olhou para todos os cantos, chamou por ele, sem nenhuma resposta. Disse que se sentiu observada por olhos invisíveis.

            No começo seu marido tentou explicar que o que aconteceu naquele dia não passava do que os filósofos chamam de "visão imaginária". Que fantasmas são folclore universal. Mas aos poucos ele percebeu que, apesar de tudo, graças aquilo as coisas estavam melhorando em seu casamento.

            Sozinha em casa enquanto ele trabalhava, antes a mulher vivia dominada pela letargia, jogada pelos cantos como uma gata preguiçosa. Eram cócegas que ela dizia ter atrás dos olhos. Jurava que conseguia sentir um tumor crescendo no cérebro, um nódulo marrom secretando e a deixando daquele jeito, por mais que o médico nunca tenha encontrado nada.

            Depois do que aconteceu, ficou mais disposta, criou um blogue para escrever histórias de fantasmas e começou a estudar sobre o assunto. Estava cultivando cada vez mais uma mentalidade positiva, e finalmente havia esquecido o tumor cerebral. 

           Durante essa sua nova fase, ela não pôde evitar de cair em pesquisas sobre mortes violentas. Em meio a imagens e vídeos pesados, descobriu um fetiche bem exótico: a sinforofilia, a atração sexual por tragédias e desastres. Gostava principalmente dos acidentes de trânsito em que os corpos estavam desmanchados nas ferragens, e dos suicidas do bosque Aokigahara.

         As cenas mais atrozes eram pornografia aos olhos dela. O marido sabia que era loucura, mas o sexo com a esposa passou a ser incrível depois da descoberta dessa fantasia. Mais consciencioso do que quando ela passava dormindo. Além do amor que sentia pela esposa, este era um dos principais motivos para não ter contado sobre o que descobriu nos fundos do quintal.

            Naquele dia, lutando contra a pressão enorme no seu centro do vômito, ele foi atrás da origem do fedor que sentiu no caminho até a garagem. Tropeçou em algo e pensou ser um ligustro escondido na grama alta. Examinou melhor e encontrou um pequeno amontoado de restos enegrecidos e tecido colorido, calçando um par de tênis. Parecia estar de pescoço quebrado.


Nenhum comentário:

Postar um comentário